1 –Introdução
Nesta
comunicação apresentamos algumas reflexões em torno de um tema que sempre foi
considerado polêmico pela sociedade em geral e pelos educadores: a presença da
religião nas escolas. Para isto, analisamos dois contextos sociais distintos
que consideramos paradigmáticos: a) a questão da implantação do ensino
religioso nas escolas públicas no Brasil, tendo como exemplo o Estado do Rio de
Janeiro e, b) as disputas entre “criacionistas” e evolucionistas sobre a
questão da origem da espécie humana e de como este tema é debatido nas escolas
em alguns estados norte-americanos.
No
Brasil, a questão ganhou uma nova dimensão quando foi aprovada a polêmica lei
que obriga a implantação do ensino confessional nas escolas públicas do Estado
do Rio de Janeiro. Nos Estados Unidos, os rumos do debate ganharam novos
contornos, com a proposta de se incluir o tema do chamado design inteligente no currículo de algumas escolas. Neste caso, passaria a ser uma exigência nas
aulas de Ciências, o ensino tanto do conceito darwinista como da teoria que
acredita que a vida tem origem divina.
Em ambos os casos, procuramos examinar os debates
em torno da defesa ou crítica dos assuntos em pauta. Neste sentido,
buscamos mapear as razões alegadas, identificando os principais protagonistas,
suas posições nas sociedades em questão, as implicações e rumos das discussões.
Entendemos que os debates são particularmente instigantes como ponto de partida
para a reflexão da complexa relação entre ciência, política, educação e
religião no Estado moderno.
2 . Situando o problema
Nas
sociedades ocidentais e mais especificamente a partir da modernidade, a
religião deixou de ocupar um lugar central e, lentamente, foi cedendo espaço
para que o Estado se distanciasse das questões religiosas.
Por
laico podemos entender o Estado que se tornou eqüidistante dos cultos religiosos,
sem assumir uma religião como a oficial. A condição de laicidade indica a
liberdade de expressão, de consciência e de culto, significando que não se pode
conviver com um Estado portador ou defensor de uma confissão. Por outro lado,
ao respeitar todos os cultos e não adotar nenhum, o Estado libera as igrejas de
um controle no que toca à especificidade do religioso e se libera do controle
religioso.
Isto
acaba por resultar em dois importantes aspectos: de um lado, temos o
deslocamento do religioso da esfera pública para a privada e do outro, a
assunção da laicidade como um conceito referido ao poder de Estado. Entretanto,
cabe lembrar que um estado pode ser laico e, ao mesmo tempo, presidir a uma
sociedade mais ou menos secular, mais ou menos religiosa.
Atualmente
vemos eclodir várias polêmicas com fundo religioso explícito. É, por exemplo, o
caso da discussão em torno dos véus utilizados pelas mulheres que pertencem a
grupos islâmicos nas escolas francesas, a presença do crucifixo em prédios
públicos da Itália, a polêmica entre criacionismo e evolucionismo nos
currículos das escolas públicas nos Estados Unidos e também no Brasil. No caso
específico do Rio de Janeiro, existe a luta travada sobre a adequação ou não da
introdução da disciplina do ensino religioso nas escolas.
3 – Religião nas escolas: ensino confessional X ensino ecumênico no
Brasil
Sabemos
que o tema religião nas escolas é problemático, visto que envolve o necessário
distanciamento do Estado laico ante o particularismo e o proselitismo próprio
dos credos religiosos. Não é a toa que toda a vez que esta questão aparece
relacionada a algum projeto educacional, sempre veio seguida de uma acirrada
discussão em torno de sua presença e factibilidade. Isto é verdade tanto no Brasil, que sempre se
apresentou como um país laico e multicultural, quanto nos Estados Unidos, estado
liberal e de maioria protestante.
No
caso brasileiro, entendemos que a discussão em torno da implantação do ensino
religioso é mais do que uma simples discussão sobre um novo componente no
currículo escolar. Para além dessa discussão, existe a polêmica relação entre
secularização e laicidade no interior de um contexto histórico e cultural
bastante preciso. No Brasil, o ensino religioso legalmente aceito como parte
dos currículos das escolas oficiais do ensino fundamental, torna-se uma questão
de alta complexidade e teor polêmico, na medida em que envolve a questão da
laicidade do Estado, a secularização da cultura, a pluralidade religiosa e a face existencial de cada indivíduo(Cury,
1993).
Para
entendermos melhor esta questão no contexto brasileiro é preciso recordar os
dispositivos constitucionais que remetem à problemática em discussão, afim de
que tenhamos uma visão mais ampla do tema.
Inicialmente
gostaríamos de lembrar que de um país oficialmente católico pela Constituição
Imperial, o Brasil se tornou oficialmente laico pela Carta Magna de 1891, com o
reconhecimento da liberdade de religião e de expressão religiosa, vedando-se ao
Estado o estabelecimento de cultos, sua subvenção ou formas de aliança.
Assim,
ao contrário do Império em que a obrigatoriedade do ensino religioso se fazia
presente, com a república, o ensino oficial em qualquer nível de governo e da
escolarização, tornou-se laico. No entanto, desde a proibição do ensino
religioso nas escolas oficiais, a Igreja católica sempre se empenhou em
levantar a bandeira do restabelecimento desta disciplina, seja no âmbito dos
estados, seja no âmbito nacional, principalmente por ocasião de mudanças
constitucionais.
Tanto
na proposição da Revisão Constitucional de 1926 quanto por ocasião da reforma
educacional do ministro Francisco Campos na década de trinta, foi feito um
grande lobby para que a disciplina retornasse às escolas públicas. De fato, podemos perceber que o ensino
religioso aparece em todas as constituições federais desde 1934, sob a figura
de matrícula facultativa. Mas esta permanência não se deu sem conflitos e
disputas.
Segundo
Jamil Cury (2004), os argumentos pró e contra fazem parte de um capítulo próprio
da história da educação brasileira, nas mais diferentes legislações sobre o
ensino. Se a primeira constituição republicana brasileira decretou a separação
Igreja-Estado em 1891, a
Constituição de 1934 propiciou novamente a aproximação entre Igreja Católica e
o Estado brasileiro após a ruptura ocorrida com a Proclamação da República.
Mas
qual seria o contexto sócio-político na época da promulgação da constituição de
34? Podemos dizer que na década de 30 o
Brasil presenciava a ascensão de um estado autoritário e de uma igreja que
finalmente recuperava acesso ao poder após 40 anos de uma república laica, com
forte influência positivista.
Sendo
que basicamente três concessões selavam esta união: a proibição do divórcio e o
reconhecimento do casamento religioso pela lei civil; a permissão do ensino
religioso nas escolas públicas e a possibilidade do Estado financiar escolas,
seminários, hospitais ou qualquer outra instituição pertencente à Igreja
Católica que tratassem do interesse coletivo.
No que diz respeito a proposta de inclusão do
ensino religioso nas escolas públicas, é preciso apontar os principais
protagonistas do debate. De um lado,
houve uma forte reação dos modernistas e dos participantes da chamada Escola
Nova. A Velha República tinha um recorte liberal e descentralizado. Em
decorrência, o Estado Nacional deixou à inteira competência dos Estados a
responsabilidade da educação escolar primária. Na época não existia nenhum
princípio nacional afirmativo que assegurasse a gratuidade e a obrigatoriedade
da educação primária. Contudo, na
revisão constitucional de 1926, ficou evidenciada esta tendência de o Estado
começar a interferir na ordem social especialmente nas relações de trabalho e
na ordem federativa em aspectos da autonomia dos Estados. Nesta época, ficou patente que, muitos
parlamentares reconheciam não só a importância de se estabelecer parâmetros
nacionais para o ensino como lutaram para introduzir a gratuidade e a
obrigatoriedade do primário para todo o país, como um direito de cidadania. Sem
dúvida, o chamado Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, lançado em 1932
pode ser considerado a expressão das lutas ideológicas em defesa da laicidade,
obrigatoriedade e gratuidade do ensino.
Por
isso mesmo, a revisão constitucional de 1925-1926 representa um momento
importante da vida nacional, pois o papel do Estado como sujeito político
interventor nas relações sociopolíticas e na educação escolar passa a ser
marcante.
Nesta
época, duas correntes disputavam de um lado a Igreja Católica e de outro, os
defensores da Escola Nova, reconhecidos por sua posição contrária ao ensino
religioso e defensores de uma escola pública gratuita, de qualidade e que
oferecesse um ensino a todos os cidadãos brasileiros, sem restrições. Intensos
debates foram travados envolvendo personagens chaves, como Anísio Teixeira e
Fernando Azevedo, de um lado e o padre Leonel França, do outro, mas por fim a
corrente católica saiu vitoriosa, fazendo prevalecer seu ponto de vista na
legislação aprovada. Desta forma desde a constituição de 34 que o ensino
religioso figura em todas as constituições brasileiras.
A
constituição em vigor, aprovada em 1988, seguindo todas as outras, inclui o
ensino religioso dentro de um dispositivo constitucional como disciplina em seu
art. 210, § 1º: O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Também
no texto da atual constituição fica clara a questão da laicidade, bem como o
respeito aos cultos e, quando a lei assim o determinar, pode haver áreas de
mútua cooperação em prol do interesse público, como é o caso de serviços
filantrópicos. Sendo a cidadania o fundamento da República, a luta pelos
direitos humanos é um dos princípios de nossas relações internacionais. Em
conseqüência, em nome da dignidade da pessoa humana, o repúdio a toda e
qualquer forma de discriminação e a assinalação de objetivos maiores como a
cidadania em nível nacional e os direitos humanos em nível internacional ficam
evidenciados.
Oito anos depois de aprovada a nova
constituição e após um amplo debate que também envolveu figuras importantes do
meio político, intelectual e religioso foram aprovadas as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) (lei nº 9.394/96). O art. 33 da LDB dizia que o ensino
religioso era de matrícula facultativa e devia se constituir como disciplina
dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Ficando prescrito que o seu oferecimento não
poderia onerar os cofres públicos e que de acordo com as preferências manifestadas
pelos alunos ou por seus responsáveis, seria oferecido em caráter: confessional
(de acordo com a opção religiosa do aluno, ou do seu responsável, cursos
ministrados por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados
pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas); ou inter-confessional (resultante
de acordo entre adversas entidades religiosas, que se responsabilizariam pela
elaboração do respectivo programa).
Portanto,
em seu projeto inicial, a lei previa a existência de ensino religioso, conforme
preconizava a Constituição, de caráter ecumênico, assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil.
Entretanto,
esta redação não atendeu aos anseios de vários setores da sociedade brasileira,
em especial, os católicos. Em virtude
disso seguiu-se um forte apelo junto à presidência da República, visando a
revisão do artigo 33. Por isso, o próprio poder Executivo assumiu o compromisso
de alterar o artigo mediante projeto de lei, daí resultando a lei nº 9.475/97.
Mas
quais foram as mudanças propostas? É preciso examinar o teor da nova redação
para compreendermos melhor as múltiplas e significativas mudanças.
O novo artigo dizia: O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte
integrante da formação básica do
cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o
respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil,
vedadas quaisquer formas de proselitismo.
1º) Os
sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para
a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e
admissão dos professores.
2º) Os sistemas de ensino ouvirão entidade
civil, constituída de diferentes
denominações religiosas, para definição dos do
ensino religioso.
Numa
primeira leitura, emergem quatro novos aspectos. Em primeiro lugar podemos
colocar que se de um lado, foi mantido o princípio constitucional da oferta
obrigatória e matrícula facultativa para todos da disciplina nos horários
normais no ensino fundamental, por outro, a nova redação é totalmente omissa
quanto à vedação de ônus para os cofres públicos. Abre-se a possibilidade de
recursos públicos dos sistemas serem disponibilizados para essa oferta, apesar
de indicar que era vedada qualquer forma de proselitismo, prevalecendo o
respeito à diversidade cultural religiosa no Brasil.
O
segundo ponto importante introduzido na nova redação é que o ensino religioso
passa a ser entendido e definido como integrante da formação do cidadão e isto
afeta diretamente a questão do direito à diferença e à liberdade.
Terceiro,
pelo novo artigo passa a ser incumbência de cada sistema de ensino estadual
regulamentar os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino
religioso e, estabelecer as normas para a habilitação e admissão dos
professores, indicando uma descentralização do processo e abrindo uma brecha
para que cada Estado pudesse legislar de forma autônoma.
O
quarto aspecto que também merece uma reflexão mais cuidadosa, refere-se a
indicação de que caberia à entidade civil, constituída pelas diferentes
denominações religiosas, a definição dos conteúdos do ensino religioso.
Mas,
como seria uma entidade civil constituída pelas diferentes denominações
religiosas? Deveria ter um caráter multi- religioso? Pode-se perceber que é
extremamente complexo que um texto legal imponha a existência de uma entidade
civil com tais características e, ainda por cima, determine que caberia a ela a definição dos conteúdos da disciplina.
Também
o caráter facultativo da oferta do ensino religioso merece um breve comentário.
Ser facultativo é não ser obrigatório na medida em que não é um dever. E, o
caráter facultativo caminha na direção de salvaguardas para não ofender o
princípio da laicidade. O mesmo pode-se dizer da vedação de quaisquer formas de
proselitismo e do fato de deixar a uma entidade civil multi- religiosa a
definição de conteúdos.
E,
ainda, a retirada da proibição de se onerar os cofres públicos com a
implantação desta disciplina, pode ser entendida como uma abertura para que o
Estado (a princípio laico) pudesse pagar professores para ensinar religião nas
escolas públicas.
Se
na década de 30 a
discussão sobre a introdução do ensino religioso nas escolas públicas esquentou
os debates políticos sobre o papel do Estado e suas interfaces com a Igreja
católica, fato semelhante aconteceu em 1997 por ocasião da homologação da nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Apesar
da República brasileira, ter em sua origem um fundamento secular, no decorrer
dos anos a ação realizada pela Igreja Católica sempre se mostrou eficiente na
defesa de suas proposições, particularmente em seu poder em influenciar as
decisões do Estado, indicando a relação entre a Igreja Católica e o Estado
sempre foi marcada pela ambigüidade, por aproximações e afastamentos
marcadamente estratégicos.
De
acordo com a LDB, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios devem
organizar, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino no
atendimento prioritário à escolaridade fundamental, que é obrigatória. Mas
ainda que a União possa coordenar a política nacional de educação, ela deixa de
ter muita participação no conteúdo, especialmente naquele que não é
obrigatório, como o ensino religioso.
Esta
nova diretriz, acabou permitindo a adoção do caráter confessional nas aulas de
religião no ensino público no Estado do Rio de Janeiro, através da Lei . Neste caso, no momento em que a disciplina for
oferecida, os alunos devem ser divididos por credo religioso. Sendo assim, as escolas deveriam ter
professores aptos a ministrar diferentes credos religiosos como o catolicismo,
o espiritismo, a umbanda, o candomblé, etc.
Embora
a lei maior estabelecesse que as religiões deveriam ser tratadas em caráter
fenomenológico e antropológico, e não de forma confessional, o governo do
estado do Rio de Janeiro, decretou o caráter confessional do ensino religioso
nas escolas públicas, ignorando o conselho estadual de ensino, representado
pela sociedade civil e ignorando a opinião de inúmeros profissionais da
educação.
Muitos
educadores alertaram para o fato de que a medida tomada pelo do governo estadual
do Rio de Janeiro contraria o texto da LDB. Segundo esta, a instrução religiosa
é de matrícula facultativa, e é parte integrante da formação básica do cidadão
e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, sendo assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa e vedada
quaisquer formas de proselitismo. Para
aqueles, dividir alunos de acordo com suas escolhas religiosas (ou a dos pais)
implicaria em ceder espaço ao proselitismo dentro de cada grupo separado.
A
obrigatoriedade de ensino religioso confessional nas escolas públicas estaduais
do Rio de Janeiro, delineada a partir da aprovação da lei no.3459 elaborada
pelo ex-deputado Carlos Dias (PP/RJ), sancionada em 2000 e, somente
regulamentada através de dois decretos promulgados em 2001 e 2002, resultou num
amplo debate que envolveu atores sociais distintos que buscavam trazer para o
centro da discussão as implicações positivas ou negativas que a dita
implantação acarretaria[1].
Gostaríamos
de frisar, conforme já destacado em outros trabalhos (ver Carneiro, 2004) que a
lei estadual surge em um contexto em que, o interlocutor do Estado para
assuntos religiosos não é mais o mesmo – não é somente a igreja Católica –
sendo impossível ignorar a presença de outros grupos religiosos que aspiram a
hegemonia na sociedade nacional, em disputa evidente com esta igreja.
Embora
o pluralismo religioso não seja uma novidade, a forma pela qual ele se
constituiu no passado – claramente subordinado à hegemonia católica – indica
que houve nos últimos anos uma clara mudança na relação entre seus componentes
e também nas pretensões dos diferentes grupos em relação à sociedade.
O
debate em torno do ensino de religião na escola pública se acirrou
principalmente, com a divulgação em meados de 2003, pelo atual governo do
Estado, da realização de concurso público para preenchimento de quinhentas
vagas de professores de religião na rede pública estadual. Nesta ocasião, o
Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro (MIR) realizou várias manifestações
contra a lei encampada pelo governo do Estado, propondo em contrapartida, a
aprovação do projeto de lei do deputado Carlos Minc.
Embora este projeto tenha sido aprovado na
Assembléia Legislativa em 16/10/2003, ele foi logo depois vetado pela
governadora Rosinha Matheus, no mesmo dia em que era divulgado o edital do
concurso para professores de ensino religioso, que se realizou no início de
2004. Sendo a primeira vez em toda a
história da educação no Rio de Janeiro que se abria um concurso público com estas
dimensões (das quinhentas vagas oferecidas, 342 eram para professores de credo
católico, 132 para professores de credo evangélico e 26 para professores dos
demais credos reconhecidos).
Um
dos temas mais debatidos e que teve ampla repercussão nos órgãos de imprensa
foi o que dizia respeito a um dos temas proposto para o plano de ação de 2004
do governo estadual – o da criação.
Assim, a temática acerca do “criacionismo” versus evolucionismo, ganhou
os meios de comunicação de massa, particularmente depois que a governadora do
Estado se declarou adepta do “criacionismo”.
É
por isso que, sendo tema delicado, complexo e sempre com potencial para gerar
polêmicas intermináveis, a questão do ensino religioso nas escolas públicas
toca em pontos centrais da temática da cidadania, relacionados à liberdade de
crença e de culto, assim como, de forma inextricável, à liberdade de
consciência.
Mas,
o que significa “criacionismo”?
Antes
de focalizarmos os processos históricos de constituição do chamado movimento “criacionista”
no contexto norte-americano, entendemos ser frutífero apresentar uma breve
definição do termo “criacionismo”, com o propósito de facilitar seu entendimento ao longo do texto.
4. “Criacionismo” e suas múltiplas significações
Segundo
Maia (s/d) a expressão Design Inteligente
possui pelo menos dois sentidos. O primeiro deles é aquele que se refere a uma
explicação teórica da natureza baseada numa força consciente e racional, que
funciona como fonte criadora da variabilidade de ambientes e de espécies.
Segundo
este autor, essa idéia foi articulada intelectualmente desde a publicação da
obra de William Paley, em 1805 e ela influenciou a trajetória da Teoria da
Evolução, nos séculos XIX e XX, aspecto fundamental para que seja compreendida
a razão pela qual o desígnio divino foi apropriado pelos fundamentalistas
evangélicos na luta contra o ensino de Evolução.
Numa segunda
acepção do termo, Design Inteligente
é o nome da chamada ciência dos “criacionistas”. O Design Inteligente foi criado especialmente para competir com a (teoria
da) Evolução em termos científicos e dividir o espaço reservado ao ensino da
ciência dessa Disciplina.
Não
podemos nos esquecer que antes da fixação da ciência como fonte de explicação
dos fenômenos naturais, os religiosos já se ocupavam da tarefa de desvendar a
obra de Deus e foram deles as primeiras explicações para a complexidade da
vida.
William
Paley foi o autor do argumento do Desígnio, que surgiu com a publicação, em
(1802) do livro Natural Theology – or
Evidences of the Existence and Attributes of the Deity Collected from the
Appearances of Nature e, até hoje
celebrado como um dos melhores argumentos a favor da prova da existência de um
Deus.
Entende-se
por “criacionismo”, de modo geral, a atitude que consiste em tomar a Bíblia,
sobretudo os primeiros capítulos do Gênesis, como guias literalmente
verdadeiros no que respeita à história do universo e à história da vida,
incluindo a dos seres humanos, na terra (Numbers, 1992).
Mas,
em um sentido mais restrito, o “criacionismo” implica várias crenças, incluindo
a idéia de que decorreu pouco tempo desde o começo de todas as coisas; a idéia
de que a criação decorreu em seis dias; a idéia de que toda a vida é fruto da
criação milagrosa, incluindo o Homo sapiens; a idéia de um dilúvio mundial
algum tempo depois da criação inicial, em resultado do qual sobreviveram alguns
seres humanos e animais; e a idéia de outros acontecimentos, como a Torre de
Babel e a transformação da mulher de Lot num monte de sal.
O
que há de comum entre os “criacionistas” é a contestação as teorias
evolucionistas, em particular as que
resultam das idéias de Charles Darwin desenvolvidas no seu clássico livro A Origem
das espécies”. Isto significa que eles
se opõem às premissas básicas da teoria da evolução: a) à idéia de que todos os
organismos vivos e mortos são os produtos finais de um processo natural de
evolução a partir de uma poucas formas, e talvez em última análise a partir de
materiais inorgânicos; b) à idéia de que os organismos diferem entre si de modo
aleatório em resultado de erros no material hereditário (a idéia de que há
“mutações nos “genes”; c) à idéia de que a luta e a variação conduzem a uma
forma natural de seleção, sobrevivendo e reproduzindo-se alguns, ao passo que
outros se extinguem: d) à idéia de que a conseqüência final de tudo isto é a
evolução, em direção a organismos bem adaptados. Os seres vivos têm adaptações, como mãos e
olhos, para ajudar na luta pela sobrevivência.
5. Criação X evolução: a
constituição de um campo de disputa nos Estados Unidos.
Embora
tenha surgido na Europa, como oposição à Teoria da Evolução, ao longo do século
XX o “criacionismo” estabeleceu-se com mais vigor nos Estados Unidos, assumindo
a liderança mundial na disseminação dos conceitos ditos “criacionistas”.
Do
ponto de vista da religião católica e de várias correntes protestantes, a
narrativa do Gênesis é apenas uma elaboração simbólica da criação e deve ser
entendida como tal. No entanto, para alguns segmentos evangélicos que pregam o
fundamentalismo - ou seja, tomar o que está escrito na Bíblia ao pé da letra
(diretamente da Bíblia), não admitindo que nada seja interpretado enquanto
metáfora ou símbolo - a Teoria da Evolução é inconcebível. Cabendo ressaltar
que em função da própria história americana, essas correntes foram mais
difundidas nos estados do sul dos EUA.
Desde
o lançamento do seu livro A Origem das Espécies, em 1859, que as idéias de
Charles Darwin (1809-1882) encontram fortes oponentes. Desde muitos cientistas,
que viam na teoria a incapacidade para explicar a origem das variações entre
espécies e indivíduos de uma espécie, até líderes religiosos, pois as idéias de
Darwin iam contra quaisquer concepções da origem da vida segundo os preceitos
teológicos vigentes. O problema da não aceitação da teoria darwiniana por parte
de cientistas obrigou Darwin a utilizar-se das idéias de Lamarck quanto à
adaptação ao meio. Sua teoria, no entanto, passaria a ser aceita pelo meio
científico apenas no século XX, depois das descobertas de Mendel acerca da
transmissão hereditária de caracteres. Somente em 1997 a teoria recebeu
anuência do representante máximo da Igreja Católica, o Papa João Paulo II. De
fato, a teoria de Darwin revolucionou definitivamente o modo como o mundo
científico e o homem de maneira geral compreendem a existência da vida no
planeta.
A
repercussão das idéias evolucionistas sempre motivou calorosas discussões tanto
no meio acadêmico quanto no meio religioso.
Sendo que o próprio Darwin vivenciou um sério conflito de consciência
após a ampla divulgação de suas idéias, sendo que ele próprio não defendia suas
idéias em público. Muitas pessoas questionavam que a visão de Darwin sobre
a natureza acabava com a importante distinção entre homem e animais. Esta
discussão é fundamental para o debate sobre a separação entre natureza e
cultura. A natureza é fonte de desordem, da mistura entre homens
e animais, enquanto a natureza pressupõe a ordem, a regra e se caracteriza pela
separação total com relação a natureza.
Não temos a pretensão de
discutir mais profundamente aqui todos os desdobramentos desses debates mas
achamos importante sinalizar para as tensões causadas com a propagação das
idéias evolucionistas desde esta época.
O
padre e filósofo francês Teilhard de Chardin, por exemplo, dedicou sua vida a unificar a Teoria da
Evolução com a doutrina católica.
Mas
foi só no século XX que o “criacionismo” se organizou politicamente,
particularmente voltado para a questão da educação pública - e com ela o ensino
da Evolução. Este século foi pontuado por ataques dos “criacionistas” à Teoria
da Evolução, com conselhos escolares de alguns Estados norte-americanos
tentando - e às vezes conseguindo - ora incluir o “criacionismo” no currículo,
ora proibir o ensino da Evolução.
Assim,
para situarmos este campo de disputa no interior dos Estados Unidos,
apresentamos, uma breve cronologia dos fatos mais marcantes no embate entre
“criacionistas” e evolucionistas, desde meados dos anos vinte do século XX, em alguns Estados.
a) 1925 – Tennessee
Até
onde temos notícia, a primeira ação judicial de grupos “criacionistas” contra o
ensino da teoria da evolução nas escolas americanas, ocorreu na cidade de
Dayton, em meados da década de 20.
Um
jovem professor de biologia, chamado John Thomas Scopes foi condenado por
ensinar nas suas aulas a teoria da evolução e assim violar a legislação
estadual que proibia o ensino da teoria darwinista nas escolas. Ele foi
processado judicialmente por um candidato às eleições presidenciais, William
Jennings Bryan, e defendido por vários agnósticos de renome entre os quais o
advogado Clarence Darrow. Foi o primeiro
julgamento transmitido em cadeia nacional por rádio e ficou conhecido como The
Monkey Trial ou Scopes Monkey Trial, tendo prendido a atenção de toda a
imprensa local e mundial. No final do processo, o professor Scopes foi
declarado culpado e sujeito ao pagamento de uma multa. Depois desta condenação,
cujo próprio recurso por tecnicidade jurídica foi recusado, não chegou a haver
mais processos ou perseguições, apesar de a lei estadual do Tennessee ter se
mantido inalterada por mais quarenta anos.
Depois
do julgamento do professor Scopes e da repercussão do julgamento parecia ter um
consenso geral de que o movimento “criacionista” havia ultrapassado a fase de
maior impacto e desde então parecia ter declinado.
Ma,
progressivamente, segundo Ruse (2005), os editores de livros didáticos foram
retirando a teoria da evolução dos conteúdos.
Apesar das disputas que os evolucionistas foram travando e, com isso,
ganhando espaço diante da opinião pública, no cotidiano de muitas escolas
americanas a situação era diferente.
Nos
anos cinqüenta o país dirigiu vários esforços no sentido de incrementar a
produção de manuais didáticos de Ciência.
Para tanto, o Governo Federal propôs-se alterar o estado das coisas
delegando o problema do controle educacional em nível de cada estado.
Conseqüentemente, os novos livros escolares deram ênfase à teoria da evolução, dando origem a
uma nova controvérsia.
Um
pouco mais adiante, particularmente em 1961, John Whitcomb e Henry Morris
escreveram um livro que foi considerado a nova bíblia para o movimento
“criacionista”. O livro intitulado
Genesis Flood: The Biblical Record and its Scientific Implications argumentava
que todas as letras e relatos da história bíblica da criação constantes nos
capítulos do Gênesis eram inteiramente sustentados pela ciência moderna. Os
autores argumentavam ainda que as afirmações da teoria da evolução não tinham
qualquer fundamento e (re)introduziam
uma série de argumentos presentes geralmente no repertório
“criacionista” contra a evolução.
b) 1979 – Arkansas
A
disputa entre evolucionistas e “criacionistas” nos Estados Unidos ganha novo
destaque quando nos finais dos anos setenta do século XX, o caso chega em um tribunal do Estado do Arkansas.
Este
fato se deu quando os “criacionistas” divulgaram a remodelação de leis
destinadas a promulgação estadual, que permitiriam o ensino do “criacionismo”
nas escolas públicas nas aulas de biologia. Contudo, devido à Primeira Emenda
presente na constituição americana (que proíbe a constituição de religiões
estatais) e a um apelo ao Supremo Tribunal, não foi possível proibir o ensino
da teoria da evolução nas escolas.
A
proposta em questão era introduzir o “criacionismo” nas escolas – fato que viola
a separação entre a igreja e o estado. A idéia defendida era que embora a
ciência “criacionista” pudesse espelhar o Gênesis, em termos científicos é
independente da Bíblia, sendo também ciência “de qualidade”. No fundo, o que
estes projetos de lei propunham é que o que chamavam de "tratamento
equilibrado". Se alguém quisesse ensinar a perspectiva evolucionista,
então teria também de ensinar a perspectiva “criacionista”. O que serve de argumento ao evolucionismo
serve também de argumento ao “criacionismo”.
Em
1981, estes projetos de lei acabaram sendo aprovados e levaram à persecução da
assinatura em lei por uma legislatura e um governador. De imediato a American
Civil Liberties Union entrou em ação levantando processos sobre a
constitucionalidade da lei.
A
comissão que deu sustentação a ação contrária faziam parte: o teólogo Langdon
Gilkey, o geneticista Francisco Ayala, o paleontologista Stephen Jay Gould e
Michael Ruse, filósofo, que apresentaram o testemunho pericial argumentando que
o “criacionismo“ não tem lugar nem base de sustentação nas aulas de biologia.
Por fim, os evolucionistas ganharam no
tribunal.
Segundo
Ruse (2005) ficou evidenciado no juízo do tribunal que a chamada ciência
“criacionista” é uma religião e como tal não devia ser ensinada nas aulas
públicas. E, de acordo com o argumento utilizado pelo juiz que julgou a causa,
as características essenciais componentes de qualquer ramo científico são as
seguintes: ser orientado por uma lei natural;
ser explicativo por referência a essa lei natural; ser testável no mundo empírico; as suas
conclusões são provisórias, não necessariamente as finais; é falsificável. Na
opinião do juiz como a chamada ciência da criação não possui nenhuma destas
características, isto aparentemente encerraria o assunto. (a decisão e o
contexto estão em Ruse, 1988).
Mas
como se pode perceber no texto de Ruse (2005), uma das questões principais do
julgamento era menos teológica ou científica e mais filosófica, e esta foi a
razão alegada para a sua participação. E isto fica claro quando se examina um
dos critérios usado pelo juiz para caracterizar a ciência boa ou genuína.
Os
“criacionistas” começaram a utilizar as idéias de K. Popper, segundo o qual,
para que algo possa ser considerado genuinamente científico, tem de ser
falsificável. Popper entendia que a ciência genuína deve se colocar a si mesma
em cheque perante o mundo real. O próprio Popper manifestou dúvida sobre o
caráter genuinamente falsificável da teoria da evolução. Inclinava-se mais a
acreditar que se tratava menos de uma descrição da realidade do que de um
recurso heurístico que necessita de mais estudo. Assim, os “criacionistas” agarraram esta tese
e argumentaram que tinham autoridade para rejeitar a evolução, ou ao menos para
afirmar que ela não é mais científica do que o “criacionismo“.
Parte
dos depoimentos em Arkansas tinha o propósito de refutar este argumento, e
demonstrou-se que de fato a evolução faz afirmações falsificáveis.
Já
os defensores da estratégia “anti-criacionista” que teve lugar em Arkansas
usaram como argumento central, que a constituição dos Estados Unidos não impede
o ensino da falsa ciência, mas proíbe o ensino da não ciência. Particularmente, a não ciência que é religião
com outro nome. A idéia de falso (Popper) pode ser um tanto simplista para
separar a ciência da religião, mas teve eficácia na construção do argumento em
causa, e em lei isto é o que conta.
Portanto, a dimensão filosófica da controvérsia evolução/criacionismo
teve grande peso no tribunal. Esta tese
tinha sustentação no seguinte princípio: Se o “criacionismo” pudesse ser
caracterizado como filosofia, não haveria nada na constituição dos estados
Unidos que impedisse o ensino do “criacionismo” nas escolas.
c) 1999 – Kansas
Alguns
analistas acreditam que desde 1999, quando o estado norte-americano de Kansas
decidiu excluir a teoria da evolução das provas de ciências das escolas
públicas, o movimento “criacionista” tomou novo impulso.
De
fato, este movimento vem crescendo gradativamente na Europa e, em alguns
países, como nos Estados Unidos, ele já começa a dar sinais de poder na
definição das políticas públicas de educação.
Não
é apenas em países predominantemente protestantes, como os Estados Unidos e a
Inglaterra, que o movimento anti-evolucionista vem crescendo. Na Itália, onde o
movimento anti-evolucionista já existe há mais de uma década, há quem adote uma
posição mais radical sobre essa questão. Outros países europeus de maioria
católica, como a Espanha, ou protestante, como a Alemanha, também possuem suas
organizações “criacionistas”.
No
continente americano, algumas organizações “criacionistas” lutam para obter
espaço nas políticas educacionais de seus países. A “Associação de Ciência
Criacionista”, ligada ao movimento da “Criação Inteligente” - segundo o qual, a
natureza apresenta sinais evidentes de ter sido planejada por uma inteligência
pré-existente - integra a Access Research
Network, uma organização de pesquisadores do Canadá e dos Estados Unidos
dedicada a assuntos controversos como criação/evolução e engenharia genética,
entre outros.
Segundo
Matsumura (ver Ruse, 2005), do Centro Nacional para a Educação da Ciência (uma
organização norte-americana dedicada à defesa do ensino de evolução), a
reivindicação pelo ensino do “criacionismo” tornou-se mais forte nos anos que
se seguiram à publicação de Voices for
Evolution. Esse
livro, cuja primeira versão foi editada
por Betty McCollister e publicada pelo NCSE saiu em 1981, contém dados sobre
casos na justiça envolvendo a controvérsia evolução/criação, e o posicionamento
de 15 organizações religiosas, 11 organizações de defesa das liberdades civis e
dezenas de organizações científicas e educacionais sobre o assunto. A segunda
edição, revisada e ampliada, sob responsabilidade de Matsumura, foi publicada
em 1995.
Nos
Estados Unidos existem associações “criacionistas” há décadas, como a Creation Research Society, criada em
1963, no estado de Michigan. Mas foi só na década de 80 - após a publicação de Voices of Evolution - que os
“criacionistas” norte-americanos conseguiram uma vitória significativa no campo
educacional: a Suprema Corte do país determinou que os estados não poderiam
impedir o ensino do “criacionismo” nas escolas. Uma das principais instituições
responsáveis pelo lobby que levou a essa decisão foi o Institute for Creation Research, da Califórnia. que realiza
seminários, conferências e debates sobre o assunto, possui uma rádio e um Museu
da Criação e da História da Terra, além de publicar periódicos como Vital Articles on Science Creation, para
o qual contribuem pesquisadores de diversas universidades do país.
Após
a decisão da Suprema Corte norte-americana os estados do Alabama, Novo México e
de Nebrasca adotaram mudanças no currículo científico, apresentando o
evolucionismo apenas como uma das possíveis teorias sobre a vida na Terra. Os
estados do Texas, de Ohio, Washington, New Hampshire e Tennesse adotaram
posição similar, incluindo a apresentação de evidências contradizendo a teoria
da evolução, mas revogaram posteriormente essa última medida (Ruse, 2005)
Mas,
a mudança mais radical aconteceu quando o Conselho de Educação de Kansas
aprovou por seis votos a quatro o currículo padrão para as escolas públicas do
estado elaborado com o auxílio da Creation
Science Association for Mid-America, excluindo questões sobre o
evolucionismo em provas de admissão e de avaliação em vários níveis do ensino.
Essa medida, segundo os que defendem o evolucionismo, apesar de não impedir,
desestimulou bastante o seu ensino nas
escolas locais.
d) 2004 – Dover
Em
dezembro de 2004, novamente o “criacionismo” ganha destaque nos jornais, com
mais uma tentativa de introduzi-lo nos currículos escolares. Neste episódio,
que ocorreu em Dover, Pensilvânia, a decisão foi adotada em outubro de 2004 e é
considerado até agora o maior avanço da corrente “criacionista”.
A
diretora do Centro Nacional para a Educação Científica, com base em Oakland, na
Califórnia. Eugenie Scott declarou que na
época, houve vários problemas assinalados no ensino da teoria da evolução em 24
Estados, mas felizmente nenhuma das lei anti evolucionismo apresentadas em cinco Estados havia
sido aprovada. (Ruse, 2005)
Segundo
ela, depois da eleição de George W. Bush para um segundo mandato na Casa Branca
e com o avanço dos conservadores no plano regional e federal, a direita
religiosa se sentia com mais poder e mais agressiva na apresentação de suas
idéias.
Cabe
lembrar que o sistema educacional norte-americano é totalmente descentralizado
e que as escolas particulares elaboram seus programas livremente. Já no sistema público, apenas 22 Estados
estabelecem uma lista de manuais recomendados. Na maioria dos lugares, a
liberdade de escolha é total.
Em
Dover havia sido definido que os professores de biologia do ensino de Segundo
Grau deviam apresentar aos alunos
uma teoria sobre uma "força superior" e, os estudantes podiam optar
por uma apostila alternativa intitulada Sobre
os pandas e os homens, que apresentava a hipótese de uma inteligência
divina na concepção do mundo. Conforme,
já tivemos a oportunidade de mencionar, para os defensores do “criacionismo”, a
teoria da seleção natural apresentada por Darwin não é capaz de explicar a
perfeição do código genético nem o equilíbrio natural da vida sobre a Terra
(Ruse, 2005). Mas, houve protestos por
parte dos pais que recorreram na justiça contra a decisão.
Entretanto,
um representante da secretaria de ensino leu uma declaração para os alunos do
ensino fundamental dizendo que a evolução é uma teoria, e não um fato. É
interessante mencionar que uma ordem judicial de 2002, em Cobb County , na
Geórgia, tinha mandado as escolas retirarem dos livros didáticos um adesivo
inscrito exatamente com essa mensagem. Podemos
associar esses casos ocorridos nos Estados Unidos com os debates sobre a
obtenção dos direitos civis e de ação afirmativa para negros e mulheres neste mesmo país. A luta pela
extensão dos direitos civis, nos Estados Unidos, também pode ser narrada
através do acompanhamento de uma série de instrumentos legais (Contins, 1996).
Como nos debates entre criação e evolução, ora os direitos civis e as ações
afirmativas são conquistados e em outros momentos esses mesmos direitos são
suspensos, como no caso da suspensão das ações afirmativas por algumas
universidades norte americanas (Contins, 2004).
Considerações finais
Como vimos, não se pode negar que o “criacionismo” seja
ainda um fenômeno vivo na cultura norte
americana de hoje e em outras partes do mundo, como no Brasil, para onde foi
exportado. Mas ainda que muitos possam argumentar que o “criacionismo” não tem
valor, que é filosoficamente confuso e teologicamente fundamentalista, não
podemos subestimar a sua força social e política.
Hoje,
é recorrente a idéia de que o projeto de uma modernidade que resolveria os
problemas dos homens, perseguido desde o advento do Iluminismo, não conseguiu
se implementar. O mundo da
pós-modernidade é fragmentado e desigual e, na crise de um projeto político
afirmativo, que produza sentido na vida das pessoas, quem acaba ocupando esse
espaço, muitas vezes, é o discurso religioso.
Pois, não resta dúvida como lembrado por Geertz (1978) que a religião é
um poderoso sistema cultural e simbólico.
Em
que pesem as diferenças entre os Estados Unidos e o Brasil, em vários termos
que vai da concepção de indivíduo até a forma como se lida com a questão do
pluralismo religioso, percebe-se claramente que a inclusão do “criacionismo”
nas escolas públicas, particularmente no ensino de Ciências, tem se constituído
em um complexo campo de disputa.
De
fato, é preciso deixar claro que a controvérsia criação/evolução não pode ser
reduzida a uma disputa intelectual ou científica, nem a um conflito entre
ciência e religião, mas também é preciso reconhecer que é uma disputa pelo
controle da política educacional, significando isto o controle da formação do
cidadão seja ele brasileiro ou norte americano.
Por
fim convém destacar que focalizar o Estado e as tensas relações entre religião
e política como princípios analíticos acabam nos levando a enfrentar algumas
idéias, entre elas a da separação entre Estado e Igreja e a da secularização.
Mas mesmo em sociedade que se afirmam secularizadas, em que o Estado se nomeie
laico, a religião pode permanecer sendo um dos principais focos de discussões.
Mas,
o que gostaríamos de chamar a atenção é que os embates que analisamos aqui
longe de se restringirem à dimensão religiosa se tornam em “bons casos para se
pensar” a própria sociedade em que ocorrem.
Dito de outra forma, estes casos são particularmente interessantes pelo
que revelam a respeito da sociedade onde ocorrem. Podemos dizer também que se
nas sociedades modernas o princípio da liberdade predomina, quem tem então
autoridade para esta liberdade? Religião ou ciência? Avaliando os casos que
analisamos, no Rio de Janeiro e nos Estados Unidos, as discussões acontecem não
só nessas duas esferas, mas também na esfera jurídica, na esfera familiar, da
educação etc. Através dos casos descritos encontramos, de um lado, o princípio
da liberdade: liberdade de expressão, de escolha, de estilo de vida, de
religião etc; onde a liberdade é irrestrita, onde tudo é possível. Num outro
ponto encontramos o principio de hierarquia, de ordenação do mundo pela criação
divina, que mantém a ordem e a separação entre criador e criatura. Sob
determinado ângulo outros debates, como os pró e contra a lei do aborto, a
discussão da clonagem humana, da eutanásia, da venda de órgãos humanos, de
“barriga de aluguel” e outros, possuem alguma afinidade com a disputa entre a
teoria da evolução e o “criacionismo”. O que esquemàticamente chamaríamos uma
visão desencantanda ( racional e puritana) e uma visão mágica do mundo. Mas
essas disputas modernas estão permeadas por grandes mobilizações. Os representantes
dos dois lados recorrem aos meios de comunicação, as passeatas de ruas etc para
mostrarem seus pontos de vistas.
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[1] No final
de 2004, a
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) entrou no Supremo
Tribunal Federal (STF) com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a
lei no. 3459 de 14/09/2000, do Estado do Rio de Janeiro, que instituiu o ensino religioso nas escolas
da rede pública.